Crepúsculo
Caminhando pela praia, pensei o tempo todo em minha mãe.
Sempre aproveito a caminhada matinal para admirar a beleza da praia, dos jardins, do mar, dos recortes de relevo, das brincadeiras de crianças. Para pensar como é bom poder andar, e como é bom andar na praia.
Mas nesse dia minha mãe ocupou totalmente meu pensamento, e minha caminhada foi acompanhada por lágrimas. Lembrei do quanto ela gostava de caminhar pela beirada do mar, molhando os pés, e de como gostava de entrar no mar quando ele estava bem calmo, só com marolas.
Até seus 87 anos de idade ela foi bem independente. Saía sozinha, às vezes até pegava ônibus para algum compromisso (embora nós a aconselhássemos a pegar um taxi).
Quando perdeu uma amiga (bem mais nova), com quem costumava sair, comentou comigo que gostaria de andar na praia, mas não tinha companhia. E eu a incentivei a ir sozinha. Disse que ela estava muito bem, e que deveria ir andar um pouco. A distância da sua casa até a praia é de uma quadra.
E ela passou a ir alguns dias por semana, até que levou um tombo grande no jardim da praia. Não teve qualquer fratura. Só uma contusão forte no ombro e no joelho.
Já recuperada, levou outro tombo num pequeno degrau da entrada do prédio onde eu morava. Pediu para o porteiro que não me contasse, mas acabei descobrindo quando fui visitá-la e a encontrei com uma compressa no joelho.
Com esses tombos, passou a se sentir insegura.
Nessa época eu morava num prédio na frente do seu. Antes, eu residia num outro bairro distante, mas quando tive a oportunidade de procurar um novo apartamento coloquei como condições primordiais que tivesse uma sala grande (para comportar a família) e que fosse bem próximo ao apartamento da minha mãe. Ela estava com 82/83 anos, e eu queria aproveitar melhor nossa convivência. E consegui o apartamento, com vista total para o dela.
Foi muito bom.
Eu trabalhava o dia inteiro, mas ela ficava “ de olho” na minha casa. Assim que, no início da noite, via a luz acesa, atravessava a rua e ia tocar minha campainha. Dizia que estava indo para me fazer companhia. Muitas vezes, dormiu na minha casa, “para me fazer companhia”, pois o Berto, meu marido, trabalhava em outra cidade e não estava todas as noites comigo.
Quando ia embora (tudo isso antes do 2º tombo), achava-se totalmente segura para atravessar a movimentada avenida que separava nossas casas. Não queria que eu a acompanhasse. Muitas vezes eu insistia, e em outras, sem que ela percebesse, eu pedia ao porteiro do meu prédio que a ajudasse. Daí, ela não tinha como recusar.
Gostava de esperar pelos fins de semana, pois há alguns anos passávamos praticamente todos os sábados e domingos em Itanhaém, cidade a 54 km de Santos. Eu a pegava no final do meu expediente de 6ª feira, e a deixava em casa na 2ª, antes de voltar para meu trabalho.
Em Itanhaém, na casa gostosa na frente do mar, ela molhava os pés na beiradinha da água, agradava nossos cachorros e sentia-se útil na cozinha. Pedia que nossa funcionária a chamasse, na hora de fazer o pirão que acompanharia o peixe, porque ela queria fazê-lo. Ia para a cozinha ensinar pratos antigos como dobradinha, língua, cozido.
Lia muito. Às vezes iniciava e terminava um livro no fim de semana.
No domingo, logo cedo, ia sozinha para a Igreja para assistir a missa das 9 horas.
De repente, eu ou o Berto passamos a levá-la para a Igreja.
De repente, ela deixou de atravessar a avenida para ir até minha casa em Santos.
De repente, ela passou a falhar nas idas a Itanhaém, até não ir mais (assim como eu).
De repente ela iniciava a leitura de um livro, mas não saía das primeiras páginas. Tinha que ler, e reler e reler.
E, de repente, ela estava completando 90 anos, mas ainda com muita alegria, numa festa com a presença da família e das amigas.
Daí, aos poucos, seu olhar foi perdendo o brilho, seu interesse pelas coisas foi sumindo, tudo foi ficando mais difícil, e ela passou a ficar dependente para os fatos mais corriqueiros.
E hoje, minha querida mãe está completando 96 anos.
E eu não sei dizer, com exatidão, qual a data em que ela começou a dar seus passinhos efetivos e visíveis para a retirada do palco da vida.
Olá Helô, tudo bem?
ResponderExcluirQuando vou a praia, sempre faço minhas caminhadinhas matinais no calçadão,e é um monte mágico, olhar para o mar, o sol aparecendo, vcs são privilegiados de morar perto dele.
Lendo seu post, me deu até vontade de chorar, pois a minha mãe é a minha preciosidade, e fico pensando nisso, eu aqui e ela aí no Brasil.
Parabéns para sua mãe.
Bjusss
Amiga Helô!
ResponderExcluirPrimeiramente quero parabenizar à sua mãe por esta vida tão linda e longa e depois dizer-lhe que, apesar da falta que esta presença ao vivo lhe faz hoje em dia, note mais que tudo que a presença da sua essência, do seu espírito forte ainda está contigo e isso nunca faltará.
Não posso me alongar, pois fiquei muito emocionada com o seu tocante texto e tenho uma mãe caminhando na mesma direção, já apresenta os primeiros passos de retirada como a sua e dói demais saber que está indo aos poucos, mas sua presença me é sentida todos os dias em tudo o que vejo de lindo e que ela gostava também.
Que sua mãezinha tenha a paz merecida para celebrar mais esta linda data!
Um beijo carinhoso para vocês duas.
Deve ser dificil ser uma pessoa cheia de vida e independente e de repente ter que precisar da ajuda dos outros pra tudo, minha vó ainda faz muita coisa sozinha, ela está com 85 anos, eu espero que ela também chegue aos 96.
ResponderExcluirÉ estranho pensar nisso, eu com 30 anos tenho uma expectativa de vida longa, posso viver por muitos anos ainda, posso fazer muitos planos, mas quem já tem uma idade mais avançadas como nossas queridas velhinhas não podem programar nada, a expectativa delas é sempre se irão viver mais um ano, deve ser dificil, será que já ficam preparadas para a morte que é algo inevitável??? Melhor eu não ficar pensando nisso! Aff!
Que sua mãe possa viver ainda alguns anos!
Bjs!
Sabe Helô eu ando tb.pensando muiiito na minha mãe, fiz até um post sobre isso mas ainda não publiquei e nem sei se vou publicar, eu estou muito emotiva janeiro é o mês que ti "plagiando" Deus a retirou do palco da vida....consigo imaginar o que teu coração está sentindo, deve ser estranho ver a luz se apagando das pessoas fortes que nos erão referencial de vida, que tanto nos ensinou.
ResponderExcluirParabéns a sua mãe.....e aproveite ao máximo sua companhia.
Me emocionei com a historia de sua mãe e penso se a minha está caminhando dessa maneira, minha mãe tem 73 anos e não tem mais agilidade em andar, a artrose já se alastrou para o corpo todo, sente muitas dores, o pior de tudo é que ela ficou dependente de quase tudo, tem epocas que não tem muito animo de viver, acho que oque está motivando é a Mariana, pois quando estamos lá ela esquece das dores e dá boas risadas. Minha mãe depois que teve cancer na garganta à 32 anos atrás ficou dependente, desde mercados até à sair de casa, é complicado, já levamos em varios medicos e a resposta é a mesma, da idade e não tem oque fazer e ela não aceita, mais vamos seguindo em frente.
ResponderExcluirFeliz aniversário para a sua mãe.
Beijos.
Ah, Helô, comovente....
ResponderExcluirSua mãe lembra-me minha avó.
Caminhamos todos para o mesmo fim. Mas há pessoas que tem a estrada mais longa, e como sua mãe, mais bonita, o que é ainda mais difícil.
"Nascer é uma possibilidade. Viver é um risco. Envelhecer é um privilégio."
Ainda que muito repetida, essa frase não perdeu a força.
Beijo pra você e para sua mãe!
Não pude evitar as lagrimas de saudades da minha mãe...estou sem ela ha 5 longos anos...ela tbm foi uma pessoa ativa ate o fim...
ResponderExcluirEu fico mto feliz de assim como vc ter passado os melhores momentos da minha vida ao lado dela.
Bjos pra vcs!
Helô que lembrança comovente... Sua mãe viveu a vida com plenitude.
ResponderExcluirO progresso pessoal é uma vitória deliciosa nos mínimos detalhes, a cada descoberta vem um alivio.. Mesmo com a decrepitude da velhice, uma dor aqui, uma manchinha na pele ali, é inegável a beleza do conhecimento acumulado - É verdade, às vezes pode vir uma bela senilidade precoce, uma amnésia e apaga tudo, mas tirando esses casos de exceção, é uma coisa gostosa começar a entender um pouco mais sobre a vida por acúmulo de aprendizado.
Acho que sua mãe deveter sido muito feliz.
bjus
Um texto de filha que ama a mãe!
ResponderExcluirQue bom que vc tem tantas histórias boas pra contar juntas!
Que bom que a vida dela está sendo longa.
Que bom, que bom, que bom!
Entrar e sair da vida é natural. Uma hora chegará.
Mas aproveite o que ainda tem, cada dia.
Eu penso assim com meus pais. Moramos em cidades separadas e sempre que os vejo, percebo quanto envelheceram numa rapidez...
Mas ainda bem que eles estão envelhecendo! Ainda bem!
Helo ,que texto lindo ,fiquei emocionada ..
ResponderExcluirComo disse a a Marlla ,,qeu bom que a vida dela esta sendo longa .Sei como é olhar pra mae e ver que ela esta envelhecendo ,mas vamos pensar que elas estaoaqui com a gente ..e espero que a minha fique muito ainda comigo ..
O texto está lindo, tão marcante a inversão dos papeis, e tb os papeis lado-a-lado como os vivenciamos no incrível ciclo da maternidade, como mãe, como filha, nessa dança dos papeis.
ResponderExcluirBem, sobre a retirada da vida, penso que ela está e é ainda muito viva. São passinhos como damos todos os dias, não apenas ela, nós tb, basta estar vivo. E nunca sabemos o momento que o passo será definitivo para outra realidade. Ou nenhuma realidade, se não acreditarmos na vida eterna ou outras formas de vida depois dessa aqui.
Bem, sobre a vovó, reforço: a dona Norma e seu imenso amor pela vida e pela família estão totalmente vivos, caso contrário não conseguiria representar até hoje a união, ter a sua casa como é até hoje, aquela sensação de acolhimento, de casa de vó, que tem sempre um filho, ou até mais de um, e às vezes os netos, por perto. Sentados ao lado, nas conversas e vivências possíveis para a realidade dela hoje. Mas certamente o amor que ela tem pela vida continua com ela, expresso e vivido de outra forma.
Mas tenho a certeza de que o que ela continua produzindo em todos nós é vida pura.
beijos,
Pri
ADOREI ESSA LINDA HISTÓRIA!
ResponderExcluirQUERIA ENTENDER PORQUE A IDADE LEVA COM ELA NOSSA ALEGRIA ,NOSSO SORRISO É NOSSA VONTADE DE VIVER...
HELOISA.
ResponderExcluirLindas lembranças, 96 anos que sua Mãe tenha um dia muito feliz no aniversário, é triste quando alguém muito querido, começa a perder as capacidades mas ao mesmo tempo é um previlégio chegar a essa idade, rodeada de muita gente que lhe quer bem e estar lucida.
Um beijo para a SRA sua MÃE e para você também
Helô, que texto lindo e maravilhoso. Nota-se bem a generosidade da preocupação com a sua mãe. É sempre ruim ver os nossos pais assim, aqueles que nós conhecemos sempre cheios de vida, aqueles que faziam tudo por nós :) Mas é a evolução natural das coisas. Desejo-lhe os meus parabéns e deixo o meu sincero abraço :)
ResponderExcluirMuito emocionante o texto! Tranparece o amor e o companheirismo que existe entre vocês. Com certeza sua mãexinha deixou e ainda deixará lembranças maravilhosas para a família toda. E mesmo hoje, em sua realidade um pouco diferenciada, tenho a certeza que sua presença traz alegria imensa aos seus entes queridos. Transmito meus parabéns e votos de saúde, paz, alegria e emor. Beijos.
ResponderExcluirÉ, Heloisa... A vida tem muitos desafios!...
ResponderExcluirFeliz Aniversário para a sua mãe, em primeiro lugar.
Enquanto ela está aí, você e os demais que estão em volta vão aprendendo coisas... Ela também aprende, talvez não com o intelecto, mas de outras formas... Deus sabe o que faz. Nem uma formiga dá um passo sobre a Terra sem que Ele saiba e permita. Vamos nos lembrar disso e continuar...
Beijos, querida. Hoje é feriado no Rio, dia de São Sebastião.
Heloisa, você não faz idéia, da emoção que estou ao ler o seu lindo escrito.
ResponderExcluirEstava antes de ler, comentando com meu marido que está muito distante em viagem, sobre a minha tristeza com o estado da mamãe, como o seu olhar está perdendo o brilho, os sorrisos não são tão mais frequentes e o interesse pelas coisas rotineiras tb, está cessando. Estamos justamente nesse momento organizando uma linda festa para eles, que completarão 50 anos de casamento no dia 06 próximo (é o 2o. casamento dos 2). Falava eu há pouco para Arthur, que temo que ela se canse da jornada antes da data, em outras épocas, estaria aflita com o traje, se preparando para hospedar amigos ou parentes de fora. Já teria definido com a secrétária todo o cardápio desses dias, e hoje, nem mesmo se lembrou do vestido que fomos comprar ontem... Arthur me disse algo que me confortou e compartilho com você: "1o. vamos pedir que ela possa celebrar essa data com toda demosntração de carinho que merece, depois vamos pedir que seja dado à ela o tempo que seja de conforto, dignidade e sobretudo sem sofrimento, e que seja o melhor para ela, não para nós" . Ela é tão amada, fiz o Longevidade há 2 anos, justamente inspirada na excelente qualidade de vida deles, e só se passaram 2 anos...
beijo querida com muito carinho.
Que lindo este post ! Deu vontade de chorar....
ResponderExcluirTão simples e tão comovente o retrato que faz sobre os anos mais recentes vividos por sua mãe...Daqui,donde aprendemos a navegar, uma saudação muito especial para si.
ResponderExcluirHelô, parabéns para a sua mãe. É privilégio ter uma vida longa, cercada do amparo familiar. Percebe-se que nada lhe faltou de essencial.
ResponderExcluirDigamos que é uma triste realidade.
Cada vez que via meu pai, percebia nitidamente sua piora. O corpo tem seu tempo e os sinais aparecem, queiramos ou não.
Bjs.
Olá, pensei em algo que fará sua maezinha feliz: vá ao mar, colete um pouco d'água e para lavar os pés dela. Diga que é água do mar, mesmo se ela não compreender seu ato, vai sentir em seu coração! PARABÉNS à sua mãe.
ResponderExcluirQuerida,
ResponderExcluirAdmiro sua coragem de vasculhar sentimentos e rememorar fatos e, principalmente, de encarar o presente...
E a honestidade de não fazer aquela pose de quem sabe tudo, tão comum em pessoas que conheço!
Vcs são uma família muito bonita e a gente sente que 'rola' grande amor entre vocês.
A vida é mesmo um mistério.
Beijinhos
Querida Heloísa
ResponderExcluirEste seu texto é mesmo muito emocionante. Eu compreendo o quanto é angustiante ver as pessoas que nos são queridas começarem a perder algumas das suas faculdades. Felizmente vocês têm muitíssimos bons momentos para recordar, e uma família grande e unida para se apoiar mutuamente. Mas mesmo assim deve ser duro, acredito plenamente.
Na minha família não há casos de grande longevidade. A minha avó materna viveu até aos 83, e nos últimos anos já estava "desligada", lá com os seus pensamentos (ou a ausência deles, vá-se lá saber), e sei que isso é impressionante para quem convive com essa pessoa.
Envio um beijo grande para a sua Mãe e para todas vocês, para as 4 gerações! :)
Emoção pura! Queria eu estar no seu lugar ....
ResponderExcluirPerdi minha mãe aos 23 anos, queria tanto estar contando esta história, mas como acho que Deus sabe das coisas, não posso reclamar.
Você e sua mãezinha estão tendo vida longa,lindos momentos e isso fica para sempre, mesmo quando ela não estiver mais fisicamente perto de você.
Não fique triste, vocês se gostam e viveram sempre juntas e felizes, é o que fica.
Que Papai do Céu dê saúde e muitos anos de vida para vocês curtirem juntas.
Beijos.
olá
ResponderExcluir96 anos é muito mais do que se pode esperar viver hj em dia.
sua mae esta bem cuidada, por isso chegou ate aqui
na verdade nunca estamos preparadas para perde-las.
queremos por perto, mesmo dependendte, mesmo "dando trabalho"
para quem semprefoi ativa, acredite, esta fase tb naoé facil para elas.
a minha tem 72.
operou varias xx da coluna e esta bem triste por nao fazer mais o que fazia pela gente.
este ano estaremos todas "prejudicadas no natal"
minha mae operada
eu operada da perna( quebrei)
e minha irma com o ombro quebrado
vamos fazer o que dá e vamos comprar pronto
mas vamos rezar e agradecer a vida .
adorei seu blog.
*´¨)
¸.•´¸.•*´¨) ¸.•*¨)
(¸.•´ (¸.•` *Lilly
http://blogdareforma.wordpress.com
e
http://coisadelilly.wordpress.com