Meu bisavô alemão





Em abril último, segui em cruzeiro de 21 dias da minha cidade, Santos, para Kiel, na Alemanha.
Durante o percurso, algumas paradas no Brasil, Espanha, Portugal, Reino Unido, França e Bélgica.
Adoro cruzeiros mas, de todos que já fiz, esse foi o único que não me despertou entusiasmo. Em parte por causa do navio, enorme e com número muito grande de pessoas, daí advindo algumas dificuldades. Entre elas uma virose, que se espalhou e acabou me alcançando, causando bastante indisposição nos últimos dias de navegação.
Ainda bem que mesmo nos piores dias, eu tinha a visão maravilhosa do mar, com tudo de bom que ela traz.
Kiel, onde desembarcamos, é a maior cidade do norte da Alemanha. Pouco vimos dela, pois já estávamos organizados para irmos para Hamburgo, mas a impressão foi de uma cidade simpática, organizada, bonita.
Saindo do porto fomos para Hamburgo de táxi, transporte que se mostrou mais conveniente para dois idosos viajando sozinhos.
Havia outras hipóteses, como ônibus e trem, já que Hamburgo fica a uma pequena distância de Kiel, mas a presença de malas grandes tornava tudo difícil. De táxi, em pouco mais de uma hora já estávamos bem acomodados no hotel. 
Em Hamburgo, passamos só três dias. No primeiro, ainda estava adoentada, e nos outros dois dias o tempo mostrou-se bem pequeno. 
Escolhi essa parada em Hamburgo por motivos sentimentais: foi do seu porto que, em 19/10/1881, Emil Bulle, meu bisavô materno, partiu em busca do Novo Mundo, desembarcando em São Francisco, Santa Catarina.
Como meu cruzeiro terminaria no norte da Alemanha, fiquei com curiosidade de conhecer Hamburgo. E de caminhar um pouco por onde ele havia caminhado antes de dar nova direção à sua vida, e de iniciar a trajetória em parte responsável pela minha vida.
Assim, um passeio indispensável seria uma visita ao Museu da Emigração, o Ballinstad, construído numa área muito bonita, carregada de história, pois nela houve, até 1934, uma espécie de vila que abrigava aqueles que estavam se preparando para emigrar. 
Nessa antiga vila, pavilhões de alojamento, refeitórios, igrejas, dispensários, quase uma cidade, por onde passaram os cinco milhões de passageiros para realizar exames médicos obrigatórios, e para acertar a documentação para a viagem.
Desses cinco milhões de emigrantes alemães, a maioria seguiu para os Estados Unidos. Para a América do Sul, principalmente Brasil e Argentina, seguiram 10%, entre os quais meu bisavô. 
A “cidade“ dos emigrantes foi sendo ampliada, chegando a ter 30 prédios. Depois de 1934, por vários motivos, as construções foram sendo destruídas, algumas, inclusive, bombardeadas na segunda guerra mundial. 


O museu, projetado para contar a história da emigração alemã, foi erguido na mesma área e nos moldes da antiga vila, e conta com três prédios construídos em réplica ao antigos alojamentos.
Cada um dos prédios do museu se dedica a temas diferentes. 


Ao chegar no parque verde que cerca o Ballinstad, senti uma emoção forte, como se parte da minha história tivesse se iniciado ali.


Estava muito interessada na parte da pesquisa, para ver se obtinha algum dado, ainda desconhecido, a respeito do meu bisavô e das minhas raízes germânicas. Saber, exatamente, se ele havia passado por aquela vila, onde vivera até então e até, eventualmente, o motivo da sua partida. 
E daí veio uma ponta de decepção: a precariedade do lugar para a pesquisa. 
Fomos encaminhados, e acompanhados, por uma funcionária da recepção, até o local onde existem três ou quatro computadores para uso dos turistas, e que ficam numa acanhada ala do restaurante. 
Imaginava algo mais expressivo, e com mais recursos.
Lancei o nome Emil Bulle no programa adequado e encontrei mais de um. Localizei o do meu bisavô e li tudo que há arquivado sobre ele. Vi as várias fotos, que já conhecia, entre as quais uma dele com parte da família que construiu no Brasil. Lá estava minha querida e saudosa avó Olga, com três dos seus seis irmãos.


Foi um passeio interessante, repleto de sentimentos.
E, se de um lado estava a decepção histórica por não ter tomado ciência de qualquer informação diferente, de outro estava  a emoção forte por ver, “in loco”, os registros do meu bisavô, e me perceber ligada a alguém tão corajoso, que deixou sozinho sua terra em busca de um mundo novo.



Usando esse título, Meu bisavô alemão, peço licença ao Chico Buarque, autor do maravilhoso "Meu irmão alemão”.

Comentários

  1. Heloisa, adorei seus comentários e histórico desua pesquisa sobre noso bisavô. Pena que não há mais informações além das que conhecemos. Minha avó Olga, filha do Emil, foi uma presença importante na minha vida, pois cuidou de mim e de minha irmã quando minha mãe, sua nora, faleceu. Parabéns!

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  2. Como a foto dele com a família criada no Brasil foi parar lá? Quem forneceu? Já não lembro: de que cidade ele era?

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    1. Olguinha, os familiares podem colaborar, enviando fotos e informações para serem acrescentados aos registros. Parece que a foto foi anexada por um descendente pela parte da Nanã.

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  3. Tia, que gostoso saber mais sobre a família! Com quantos anos será que ele veio para o Brasil? Qual teria sido a motivação para escolher este destino? Beijos

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    1. Ricardo, ele veio com 30 anos.
      Consta lá, em outro arquivo, que ele havia vindo anteriormente, com 25 anos. Só que voltou para a Alemanha, e acabou retornando com 30. Não há nada que explique isso.

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  4. Puxa, imagino a sua emoção ao visitar o lugar aonde morou nosso bisavô. Pena mesmo que não deu para pesquisar sobre ele.Quantos anos será que ele tinha quando veio para o Brasil?

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    1. Foi bem emocionante, mesmo. Tinha 30 anos. Obrigada pelo comentário.

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  5. Oi Heloísa, que jornada mais especial e mágica! Mesmo que não tenha obtido mais informações, estar provavelmente nos mesmos lugares onde ele transitou antes de embarcar é muito mágico...Sinta-se privilegiada por estes momentos!
    Adorei seu post, abraço!

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  6. Oi tia, sabe-se alguma coisa sobre os pais dele? Ou se deixou familiares na Alemanha?

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    1. Pois, é, Aninha, parte da minha decepção foi não ter conseguido novas informações nos registros do museu. Há alguns anos a Cláudia fez algumas pesquisas e parece ter chegado aos nomes dos pais, e também à descoberta de que ele teria tido 6 irmãos.

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  7. Nossa, muito interessante! Mas a "descoberta" também trouxe mais dúvidas e curiosidades. Por que será que ele veio para o Brasil, enquanto 90% rumavam aos Estados Unidos? Muito interessante sua visita e história. Agora, é descobrir mais! beijos

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    1. Pri, para os Estados Unidos, 80%. 10% para a América do Sul ( Brasil e Argentina). 5% para o Canadá e o restante para outros países. Seria interessante saber o motivo da escolha pelo Brasil. Mas é uma empreitada praticamente impossível.

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  8. Heloísa, esse retorno às origens é lindo e cheio de emoções. Pena não haviam informações para te acrescer aos teus conhecimentos, mesmo assim, foi legal pisar aquele solo. Isso dá uma sensação muito boa! Gosto disso! beijos e adorei as fotos! Linda semana! chica

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Oi, Helô,

    Gostei do teu relato e meio que compartilhei da sua emoção. Isso porque eu também tive um antepassado que se supõe ter sido alemão ou escandinavo. Digo: se supõe, quando esta suposição, na verdade, é feita por mim e por meus irmãos, rsrs. Chegamos a isso - que pode ser só uma fantasia - por duas razões: os olhos claros e a lourice do nosso avô, cuja família desconhecemos (ele nunca falava dela). E também, justamente, por conta desse mistério. Pessoalmente eu cheguei a pensar que talvez o nosso bisavô - ou o pai dele - tenha sido um desertor de guerra ou alguém que tenha tido a necessidade - por alguma razão - de se reinventar aqui no Brasil. Para nós as pesquisas não são possíveis, já que não temos informações dessas pessoas. Mas eu tenho uma irmã e um irmão que quando crianças eram de uma lourice de suecos, o que os destacava no meio dos irmãos morenos, rsrs.

    Um beijo

    Obs: tive de excluir o primeiro comentário porque ele saiu com erro.

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    1. Marly, que mistério, não? Quanto aos nossos antepassados acabamos ficando com muitas perguntas sem respostas. Muitas vezes a curiosidade surge quando aqueles que poderiam esclarecer já não estão entre nós. Uma pena.
      Beijos.

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  11. “Magicky”, q é como eu acho q dizem os tchecos. Pq é assim em todos os corações. Procurar nossa ascendência, saber da nossa história é sempre uma aventura empolgante, em geral com poucas respostas... linda busca!

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    1. Obrigada, Cecília. O interessante é que, mesmo com poucos resultados, a gente fica motivada a pesquisar mais.

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  12. Maria Inês Alonso Notari. Muito interessante essa postagem. Acabei de ler e mil perguntas vieram à minha cabeça? Ele casou com brasileira ou descendente? Como foi sua adaptação ao Brasil? Praticava catolicismo ou era luterano? Vocês, descendentes, fazem alguma receita alemã? Guardam algum hábito? Achei o texto delicioso e compartilhei um pouco da mesma emoção quando, em 2008 , pisei em Goyan, terra dos meus avós maternos e paternos. E tb consultei a wikipédia.Aprendi muito sobre a imigração alemã no Brasil, as questões nacionalistas e as dificuldades da miscigenação. Seu texto me levou a uma outra viagem, ade novas emoções e descobertas. Abraços.

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    1. Maria Inês, muito boas suas indagações. Sei a resposta de poucas, mas acho que posso ir atrás de outras informações, e até fiquei motivada a respondê-las em um outro post. Beijo.

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    2. Obrigada! Seu texto foi instigante. Bjs.

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  13. Pois é, lá estava eu, também, como testemunha dos acontecimentos descobrindo o avô alemão da Helô. Acabamos almoçando no restaurante local. Para lá chegarmos utilizamos o trem ida e volta, muito rápido e o passeio interessante. Junto a estação existem vários bares, um ao lado do outro. Suas mesas são postas fora do restaurante. Observamos que todas elas estavam tomadas por homens e sem nenhuma mesa com mulheres. Todos bebendo, fumando e conversando. Chamou-nos atenção para a ausência total de mulheres. Passeio muito agradável. Temperatura amena, mais para o frio. Berto.

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  14. Que interessante Heloísa. Fiquei curiosa para saber mais sobre o seu bisavô e a sua vida no Brasil. Adoro essa temática da emigração. Gosto de ler histórias e ver filmes sobre esses tempos em que as pessoas deixavam tudo para trás para ir em busca do desconhecido e começar uma vida totalmente nova do outro lado do mundo. Obrigada por partilhar. Beijos

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    1. Isabel, realmente é muito instigante a situação do emigrante. Quantas perguntas, sem respostas. Bjs.

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  15. Olá Heloísa: muito interessante esta sua viagem que juntou o útil ao agradável. Adorei lê-la, como sempre.
    Bjn
    Márcia

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